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Desdolarização: por que Trump está preocupado?

  • Foto do escritor: Petit Journal
    Petit Journal
  • 20 de ago.
  • 4 min de leitura

O debate sobre a desdolarização ganhou destaque nas últimas semanas, especialmente após Donald Trump manifestar preocupação com o tema e, segundo analistas, até relacionar suas tarifas contra o Brasil ao engajamento brasileiro em iniciativas do BRICS. Mas afinal, o que é desdolarização, como esse processo se desenvolveu ao longo do tempo e por que ele incomoda tanto os Estados Unidos?


O que é desdolarização?


A desdolarização é o processo pelo qual países ou blocos econômicos buscam reduzir sua dependência em relação ao dólar norte-americano. Isso pode ocorrer em diferentes frentes: no comércio internacional, nos fluxos financeiros ou na composição das reservas internacionais dos bancos centrais. O movimento pode ser gradual ou estratégico, com motivações que vão além da economia, incluindo questões políticas e de segurança nacional.


Embora a economia seja um fator relevante, a política é o elemento central da desdolarização. Em muitos casos, não se trata apenas de reduzir custos ou diversificar riscos financeiros, mas de ganhar autonomia frente à influência norte-americana.


O poder do dólar: de Bretton Woods ao auge da hegemonia


O dólar se consolidou como a principal moeda internacional após a Segunda Guerra Mundial, durante a Conferência de Bretton Woods (1944). Nesse acordo, o dólar passou a ter lastro em ouro e tornou-se a moeda de referência para transações comerciais, financeiras e reservas internacionais. Para cada dólar emitido, havia uma quantidade equivalente em ouro depositada nos cofres dos EUA, garantindo segurança e previsibilidade.


Essa relação começou a mudar nos anos 1970, quando o presidente Richard Nixon rompeu a paridade com o ouro. A partir daí, a força do dólar passou a depender da credibilidade do governo dos Estados Unidos, do dinamismo de sua economia e da influência global de suas instituições financeiras.


Nos anos 1990, com o fim da Guerra Fria, os EUA viviam seu auge de poder unipolar. O dólar era visto como sinônimo de estabilidade e muitos países utilizaram a moeda para ancorar programas de estabilização monetária, como o Plano Real no Brasil. Esse período foi marcado por baixo endividamento público nos EUA, superávits fiscais e confiança irrestrita no dólar.


O início do declínio: 11 de setembro, guerras e déficits


Os atentados de 11 de setembro de 2001 marcaram uma virada. A reação norte-americana — com guerras longas no Afeganistão e no Iraque — gerou déficits fiscais crescentes e aumento da dívida pública. O que antes era superávit passou a ser déficit crônico, e a confiança no dólar começou a sofrer abalos.


Paralelamente, o lançamento do euro em 1999 trouxe uma alternativa real. Entre 2002 e 2008, a moeda europeia se valorizou fortemente frente ao dólar, alimentando discussões sobre a possibilidade de precificação do petróleo em euros ou de formação de uma cesta de moedas internacionais.


A crise de 2008 e o "tsunami monetário"


A crise financeira de 2008 teve epicentro nos EUA e reforçou ainda mais os questionamentos sobre o sistema dolarizado. Para enfrentar a recessão, o Federal Reserve lançou o quantitative easing, política não convencional que consistia em imprimir trilhões de dólares e injetá-los na economia por meio da compra de títulos públicos e privados.


Embora a medida tenha evitado uma depressão ainda maior, trouxe consequências: excesso de liquidez global, desvalorização do dólar e críticas de países emergentes, como o Brasil, que acusaram os EUA de provocar um “tsunami monetário”. O então ministro da Fazenda Guido Mantega destacou os efeitos negativos dessa enxurrada de dólares sobre as economias emergentes.


O papel do ouro e a busca por alternativas


Nos últimos anos, países como China, Índia e Rússia intensificaram a compra de ouro para compor suas reservas. Essa prática reflete a busca por ativos considerados mais seguros diante da instabilidade do dólar. Ainda que o ouro não tenha capacidade de substituir o dólar como meio de troca global, sua valorização é sintomática: quando cresce a incerteza na economia mundial, cresce também a procura pelo metal.


Emergência dos BRICS e o desafio ao sistema


Em 2008, em meio à crise, Brasil, Rússia, Índia e China organizaram sua primeira reunião oficial no formato que ficou conhecido como BRICS (posteriormente incluindo a África do Sul). A mensagem era clara: o sistema financeiro internacional centrado no dólar já não refletia as novas realidades econômicas globais.


O grupo passou a discutir formas de ampliar a cooperação financeira, aumentar o uso de moedas locais no comércio bilateral e até criar mecanismos próprios, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD). A pauta da desdolarização ganhou força, especialmente impulsionada por China e Rússia, que buscam reduzir sua vulnerabilidade frente a sanções e pressões norte-americanas.


Por que Trump está preocupado?


Donald Trump tem repetidamente defendido a primazia do dólar, reforçando a ideia de que “o dólar é rei” (the dollar is king). Sua preocupação com a desdolarização está ligada à percepção de que o avanço dessa agenda enfraquece o poder de barganha dos EUA no cenário global. O dólar não é apenas uma moeda: é um instrumento de poder.


Controlar a moeda de referência internacional garante aos EUA vantagens econômicas, como facilidade de financiamento, e políticas, como a aplicação de sanções financeiras.

Se o dólar perder espaço para outras moedas ou mecanismos alternativos, os Estados Unidos podem enfrentar maiores custos de endividamento, perda de influência política e redução de seu protagonismo geopolítico.


Conclusão


A desdolarização não é um fenômeno novo, mas um processo em curso há pelo menos duas décadas. Embora ainda distante de substituir o dólar, esse movimento já é suficiente para preocupar Washington, que vê sua hegemonia monetária desafiada por mudanças estruturais no sistema internacional.


Trump vocaliza essa preocupação porque entende que, se a confiança no dólar continuar a ser corroída, os EUA terão mais dificuldade para sustentar seu estilo de vida econômico e sua posição de liderança global.


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